Materiais bidimensionais, isto é, compostos por uma única camada de átomos, têm sido foco de pesquisas desde 1986. No entanto, foi em 2004 que a área sofreu grande expansão, com a síntese do grafeno. Tipicamente, os materiais 2D apresentam propriedades que diferem de seus precursores 3D, entre elas, é comum um aumento significativo da tenacidade, do módulo de elasticidade e da resistência à ruptura. Hoje falaremos de um grupo de materiais bidimensionais conhecido por MXene, que apesar de ser recente e possuir poucos integrantes já sintetizados, já atrai a atenção do mundo científico por causa de sua versatilidade de propriedades e aplicações.
O que são os MXenes:
Apesar de ser um nome a princípio estranho para um material, o termo “MXene” na verdade é bastante lógico. As estruturas 2D vêm de um grupo de precursores chamado de MAX Phases. A sigla MAX representa a composição química desse grupo de cerâmicos, dada por um metal de transição (M), um elemento da família A (geralmente IIIA ou IVA) e carbono ou nitrogênio (X). No processo de produção dos derivados bidimensionais, conhecido por esfoliação, ocorre a retirada do elemento A, o que explica a origem do termo “MX”. Já o final “ene” é proveniente das semelhanças em termos de morfologia entre a estrutura obtida e o grafeno, que em inglês é chamado de “graphene”. Assim, MXene vem de MAX phase sem A + graphene, o que explica muito do material em um único termo.
As expectativas estão altas em relação a essa classe de materiais porque existem mais de 60 MAX Phases já descobertos, enquanto poucos MXenes já foram sintetizados (10, no início de 2018). Para tornar a situação mais interessante e complexa, cada MAX Phase pode originar, ainda, mais de um tipo de MXene, o que permite gerar inúmeros materiais dessa classe. Isso acontece porque a extração do elemento A ocorre por ataque químico, que pode ser feita por NaF, HF, HCl, etc. Nesse processo, há na verdade uma troca do A por grupos funcionais provenientes da solução utilizada, de forma que o uso de substâncias distintas introduz grupos diferentes no material. Até o momento, já foram constatadas a presença dos grupos F, OH e/ou O, que são chamados genericamente de T. É possível representar todos os integrantes da classe MXene pela fórmula geral Mn+1XnTx . As reações abaixo demonstram como pode ocorrer a remoção do elemento A para o caso do MAX Phase precursor Ti3AlC2 .
A reação 1 é a primeira a ser desencadeada, seguida pela 2 e/ou 3. Após a reação 1, o Al (elemento A desse exemplo) é removido de entre as camadas de Ti3C2. Como ele era responsável pela ligação entre elas, ocorre a delaminação do material em várias camadas, que em seguida reagem com o meio e adquirem novos grupos funcionais, originando o MXene. Agora que entendemos com o que estamos lidando, vamos conferir as aplicações já visadas para essa novidade da ciência dos materiais.
Aplicações:
MXenes têm estruturas e propriedades únicas. A combinação de ductilidade e condutividade elétrica excelentes sugere o uso da classe de materiais em baterias de Li-íon, pseudocapacitores e supercapacitores. Ainda no ramo da eletrônica, alterações nos grupos funcionais T modificam a energia de gap entre bandas de valência e de condução, modificando a condutividade elétrica (mecanismo explicado aqui). Espera-se que isso seja utilizado para potencializar a indústria de semicondutores. A alterabilidade da química de superfície, através dos grupos funcionais, também torna os MXenes atrativos para o uso como carga de reforço em compósitos. Também é relevante para essa aplicação o elevado módulo de elasticidade desses materiais 2D, que confere a eles resistência e flexibilidade. De fato, algumas nanocamadas já sintetizadas do material puderam ser dobradas a raios de curvatura menores que 20 nm sem fratura. Outra previsão é que o material seja utilizado para a absorção e proteção de radiações de micro-ondas.
Ainda, devido à estrutura dos MXenes ser empilhada, como mostrado na figura de microscopia eletrônica de varredura, eles têm espaços intercamadas em grande quantidade. Isso favorece a adsorção de gases, de forma que os MXenes podem ter aplicações importantes no armazenamento de hidrogênio, adsorção de metano e coleta de CO2 da atmosfera. O último exemplo começou a ser investigado em 2018 por cientistas chineses e os resultados são promissores. O CO2 , ou dióxido de carbono, é um dos principais gases responsáveis pelo efeito estufa. Sua coleta não somente ajuda o meio ambiente, como também pode ser usada para a geração de energia por meio de fotossíntese artificial. Para a pesquisa, foram sintetizados MXenes do tipo V2CTx e Ti3C2Tx. O primeiro tem uma maior área de superfície específica, de forma que teoricamente consegue adsorver fisicamente um volume maior de gás. No entanto, os resultados obtidos pelo grupo de pesquisadores mostraram melhores resultados para o Ti3C2Tx, o que foi justificado pela maior dificuldade em esfoliar o V2CTx.
A verdade é que ainda tanto para o Ti3C2Tx quanto para o V2CTx os resultados ainda estão bem aquém da teoria, mas já bons o suficiente para competir com alguns materiais coletores de CO2 existentes. A tabela abaixo compara o desempenho de diferentes materiais na coleta de CO2 , dividindo os mols de gás adsorvidos pela massa de material utilizada (adsorção específica):
Material |
MXene Ti3C2Tx – experimental | MXene Ti3C2Tx – teórico | MOFs | Zeólita 13X | Polímeros porosos |
Adsorção específica de CO2 * | Até 5,79 mmol/g | 44,2 mmol/g | 54,4 mmol/g | 7,38 mmol/g |
11,9 mmol/g |
* A adsorção varia com a temperatura e pressão do sistema, de forma que foram utilizados valores ótimos para cada material.
Verifica-se pela tabela que ainda que a adsorção experimental do MXene Ti3C2Tx seja inferior aos demais materiais mostrados, seu potencial é para chegar próximo aos metal organic frameworks (MOFs). Para isso, é preciso otimizar o grau de esfoliação do material 2D, melhorando sua rota de processamento. Os MOFs, apesar de serem excelentes nessa função, têm uma limitação frente aos MXene, o que dá ainda mais potencial ao desenvolvimento do último. Os MOFs são sensíveis à água, podendo quimisorvê-la ou sofrer destruição por exposição ao seu vapor. Ainda, a adsorção específica é inferior ao MOF no caso do MXene Ti3C2Tx , mas como já mencionado, muitos outros ainda estão a ser estudados e sintetizados.
Referências:
WANG, B. et al. Carbon dioxide adsorption of two-dimensional carbide MXenes. Journal of Advanced Ceramics, v. 7, n. 3, p. 237-245, 2018.
NAGUIB, M. et al. Two‐dimensional nanocrystals produced by exfoliation of Ti3AlC2. Advanced Materials, v. 23, n. 37, p. 4248-4253, 2011.