Ligas de alta entropia: Um novo conceito em metalurgia física

Metais puros são raramente usados em aplicações industriais. Por outro lado, ligas metálicas, que são a combinação de dois ou mais elementos metálicos ou não-metálicos, são imprescindíveis na indústria moderna devido a suas propriedades aprimoradas em relação a metais puros. Tradicionalmente, ligas metálicas foram sempre baseadas em um elemento principal com pequenas adições de outros elementos. Exemplos bastante conhecidos são os aços e as ligas de alumínio. Todo o desenvolvimento em metalurgia dos últimos 200 anos foi construído a partir desse conceito. Mesmo nos tempos modernos, a pesquisa e o desenvolvimento de ligas multicomponentes, com três ou mais elementos principais, não foram encorajados em metalurgia física e em ciência dos materiais.

O cientista alemão Franz Karl Archad (1753-1821) provavelmente foi o primeiro a misturar diferentes elementos metálicos, em concentrações equiatômicas (mesma concentração molar) e concluiu que as ligas tinham propriedades diversas, porém não tão atrativas. Diagramas de fases binários e ternários mostram a formação de diversas fases intermetálicas para alguns sistemas, e a precipitação dessas fases pode tornar, em alguns casos, esses materiais muito frágeis. Por esses motivos talvez o desenvolvimento de ligas multicomponentes tenha sido defasado.

Recentemente, em 2004, um novo conceito em metalurgia física foi introduzido. Ligas de alta entropia (high-entropy alloysem Inglês) foram desenvolvidas por Yeh na National Tsing Hua University, em Taiwan. Ele se baseou na teoria de que a alta entropia de mistura, relacionada ao grande número de elementos em concentrações equiatômicas, deveria estabilizar uma única fase em solução sólida para estes metais. Segundo Yeh, ligas de alta entropia são ligas multicomponentes formadas por 5 ou mais elementos principais em concentração (quasi)-equiatômica, e que têm entropia de mistura maior ou igual a 1.69R, em que R é a constante universal dos gases.

De acordo com a termodinâmica estatística, a entropia configuracional refere-se ao número de microestados possíveis, ou seja, o número de diferentes possibilidades em que energia disponível pode ser misturada ou distribuída entre as partículas de um sistema. Nesse caso, a entropia de mistura sempre será sempre maior na região central de diagramas de fases como pode ser visto na Figura 1. A entropia de configuração também aumenta com o número de diferentes componentes envolvidos no processo pois o número de microestados possíveis agora é maior. A entropia de mistura tem contribuição de 4 fatores (configuração, vibracional, dipolo magnético e eletrônica), porém a entropia de configuração é a dominante e por isso é usada para representar a entropia de mistura.

Figura 1. Diagrama de fases esquemático indicando a região de alta entropia de mistura (triangulo vermelho ao centro). Ye et al., Materials Today, 19 (2016) 349-362

Yeh também estabeleceu os quatro efeitos principais que estes materiais apresentariam: (1) o efeito da alta entropia de mistura (soluções sólidas de fase única), (2) distorção da rede cristalina, devido à mistura de elementos com diferentes raios atômicos, (3) difusão lenta e, (4) efeito “cocktail”, relacionada à diversidade de propriedades que poderiam ser encontradas nesses novos materiais. De lá para cá houve um intenso interesse científico nesses materiais e, com isso, o desenvolvimento de ligas multicomponentes anda a todo vapor.

O que tornam essas ligas interessantes para uso em engenharia?

Dentre todas as propriedades já descritas na literatura científica talvez o seu comportamento mecânico seja o que as torna extremamente atrativas, porém não estão limitadas a isso. Ligas de alta entropia apresentam alta tensão de escoamento, comparável às melhores ligas comerciais, e tenacidade a fratura ainda não superada por outros materiais, como foi reportado por Gludovatz et al., na revista Science (Figura 2).

Figura 2. Mapa de Ashby comparando a tensão de escoamento e a tenacidade ‘a fratura para diversas classes de materiais.  B. Gludovatz et al., Science 345 (2014) 1153–1158.

Ligas de alta entropia mostram, em alguns casos, considerável ductilidade e manutenção da resistência mecânica em elevadas temperaturas, o que as tornam ótimas candidatas para concorrer com superligas de níquel na fabricação de turbinas de alta temperatura. Também foi reportado que as ligas CoCrFeNi e CoCrFeMnNi apresentam um incremento na tensão de escoamento e na tensão de ruptura em baixas temperaturas (-260 °C) sem perda considerável de ductilidade, o que as torna interessantes para aplicações criogênicas. E, por fim, elevada resistência à corrosão superando ligas de aço inoxidável e titânio.

Outro fato interessante de ligas multicomponentes é a diversidade de novas composições que podem ser exploradas. Se considerarmos os 67 elementos metálicos estáveis da tabela periódica e usarmos um método combinatório, chegamos a 110 milhões de possibilidades para ligas com 3, 4, 5 ou 6 elementos principais. Ao se considerar incrementos de 1% (percentagem atômica) nessas composições, chegamos a um valor aproximado de 1090novas ligas possíveis. Para se ter uma dimensão da grandeza, esse valor equivale ao número de estrelas no universo. Isso mostra que a perspectiva de novos materiais que possam ser explorados no futuro é quase ilimitada e, com eles, há uma diversidade de propriedades que poderão atender a demandas específicas.

 

Autor: Angelo Andreoli, M.Sc.
Doutorando em engenharia de materiais
Leibniz Institute for Solid State and Materials Research Dresden, IFW-Dresden, Alemanha
Contato: [email protected]

 


Referências

Gao, M., Yeh, J., Liaw, P., & Zhang, Y. (2016). High-entropy alloys: Fundamentals and Applications (1° ed.). Springer, 2016.

Ye, Y., Wang, Q., Lu, J., Liu, C., & Yang, Y. (2016). High-entropy alloys: challenges and prospects. Materials Today19(6), 349-362. doi: 10.1016/j.mattod.2015.11.026

J.-W. Yeh, S.-J. Lin, T.-S. Chin, J.-Y. Gan, S.-K. Chen, T.-T. Shun, C.-H. Tsau, S.- Y. Chou, Formation of simple crystal structures in Cu-Co-Ni-Cr-Al-Fe-Ti-V alloys with multiprincipal metallic elements, Metall. Mater. Trans. A 35 (2004) 2533–2536, doi: 10.1007/s11661-006-0234-4.

D.B. Miracle, O.N. Senkov, A critical review of high entropy alloys and related concepts, Acta Mater. 122 (2017) 448–511, doi: 10.1016/j.actamat.2016.08.081.

Gludovatz, A. Hohenwarter, D. Catoor, E.H. Chang, E.P. George, R.O. Ritchie, A fracture-resistant high-entropy alloy for cryogenic applications, Science 345 (2014) 1153–1158, doi: 10.1126/science.1254581.

Borja, L. (2019). CoCrFeNi increases strength at cryogenic temperatures. MRS Bulletin, 44(3), 150-151. doi:10.1557/mrs.2019.59

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