Entenda os efeitos de usinagem térmica sobre microestrutura e propriedades de materiais

No post de hoje falaremos sobre eletroerosão, um processo de usinagem por remoção térmica, e sobre como este processo influencia na microestrutura e propriedades de um material metálico.

Primeiramente, o que é usinagem? Segundo a norma DIN 8580, a usinagem consiste em um processo de fabricação que promove a retirada de material na forma de cavaco. Este processo tem o objetivo de conferir à peça a forma, a precisão dimensional e/ou o acabamento superficial requisitados em seu projeto. Assim, a usinagem compõe a base da indústria moderna e é utilizada direta ou indiretamente em todos os componentes manufaturados.

Um tipo de usinagem por remoção térmica vem chamando a atenção no meio industrial: a eletroerosão. A técnica consiste basicamente em fundir ou vaporizar o material a ser usinado por meio de descargas elétricas que ocorrem entre a peça e uma ferramenta, formando um canal de plasma entre estes dois eletrodos que pode alcançar temperaturas de 5500 a 10000 K. Assim, partículas de material são fundidas ou vaporizadas e em seguida removidas por um fluxo de fluido dielétrico, como mostra o vídeo abaixo (a partir de 36 segundos).

Ainda assim, parte deste material não é arrastada pelo fluido dielétrico para longe do material de base, ressolidificando em sua superfície. Isto leva à formação de uma camada superficial com microestrutura, composição química e propriedades distintas do material original, tais como resistência à corrosão, resistência ao desgaste abrasivo, dureza e propriedades mecânicas em geral. Nos aços, principais materiais usinados por eletroerosão, essa camada superficial formada é denominada camada branca. A camada possui este nome devido a sua coloração esbranquiçada quando observada em microscópio, mostrada na Figura 1. Essa coloração é proveniente da não corrosão da região pelos reagentes utilizados durante o ataque químico do material, realizado para realçar diferentes microestruturas em microscópio.

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Figura 1 – Micrografia de aço usinado por eletroerosão, mostrando a formação da camada branca na superfície. Fonte: Klocke e Karden (1999)

 A camada branca apresenta dureza superior ao material base da liga. Isso pode ocorrer por dois motivos: quando as peças são usinadas em dielétrico de hidrocarboneto, carbono é liberado pela desintegração do dielétrico e interage com o ferro do aço, formando cementita (Fe3C). Já quando a eletroerosão utiliza água como dielétrico, percebe-se uma diminuição de carbono na camada superficial, tornando-se composta principalmente por ferrita. Ainda assim, esta camada apresenta maior dureza do que o material base devido à rápida solidificação da região, a qual culmina na formação de uma microestrutura extremamente refinada. Também é bastante comum na camada superficial de aços a existência de poros e microfissuras, fragilizando a região e podendo ocasionar uma propagação de trincas durante a utilização do componente, reduzindo sua vida. Por essa razão, podem ser realizados tratamentos depois da usinagem por eletroerosão para a remoção da camada superficial.

Convém ressaltar que abaixo da camada superficial, encontra-se uma outra região afetada pela energia proveniente do plasma, denominada zona termicamente afetada. Esta região, apesar de não ter sofrido fusão, também pode apresentar modificações em sua composição química e microestrutura. Observa-se para os aços a formação de uma camada temperada e abaixo desta uma camada revenida, a qual é seguida pelo material base da liga, aquele que não sofreu nenhuma influência térmica, como mostra a Figura 2.

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Figura 2 – Micrografia de um aço micro ligado submetido a eletroerosão, destacando as diferentes regiões formadas em termos de microestrutura.  Adaptado de: Hespanhol (2009)

Apesar das mudanças de micrestrutura e propriedades provocadas no material, pode-se utilizar eletroerosão sem nenhum problema. Para isso, é importante diminuir a energia do plasma e consequentemente a espessura das regiões afetadas ou realizar pós-tratamentos como brunimento e polimento.  A grande vantagem desse processo é que a usinagem pode ser realizada independentemente da dureza, tenacidade e ponto de fusão dos materiais envolvidos, o único pré-requisito é que os materiais da ferramenta e da peça tenham condutividade elétrica mínima da ordem de 10-2 a 10-1 S/cm. Assim, são englobados os metais, grafite e ainda algumas cerâmicas e compósitos, mas destes materiais os principais a serem usinados são aqueles que apresentam difícil processamento.

Referências

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KLOCKE, F; KARDEN, A. Materials Characteristics after cavity sinking by EDM. Production Engineering, Germany, v. 6, n. 2, p. 35-38, 1999.

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