Você já se perguntou como os atores não se machucam naquela cena de filme ou novela em que um vaso é quebrado em suas cabeças? Ou quando quebram um vidro com um soco e não sofrem qualquer ferimento? Os filmes e novelas são cheios de efeitos especiais, disto nós já sabemos, mas neste caso não é um efeito: é utilizado um diferente tipo de vidro, feito de açúcar. Na publicação de hoje, aprenderemos como fazer este tipo de vidro e veremos a engenharia de materiais por trás deste processo, compreendendo melhor os mecanismos de formação do vidro.
Para a produção de um vidro, é necessária uma substância vitrificante, que será a formadora do retículo amorfo (ou seja, a estrutura do vidro em si) e um modificador de retículo, que rompe algumas ligações covalentes entre as moléculas do vitrificante e abaixa sua temperatura de fusão. Para fazer o vidro falso a partir de açúcar não é diferente: você deve misturar açúcar (vitrificante), água e glicose líquida/xarope de glicose (substâncias modificadoras de retículo) em uma proporção de 3,5:2:1. Ou seja, se você colocar em uma panela 2 xícaras de água, deve adicionar 3,5 xícaras de açúcar e 1 xícara de glicose líquida ou xarope de glicose, dependendo da cor de vidro desejada – a glicose líquida é utilizada para a produção de vidros transparentes, enquanto o xarope de glicose, para vidros fumê. Caso seja desejada uma cor diferente, pode-se também adicionar algumas gotas de corante da cor desejada durante a fabricação do vidro transparente.
Conhecidos os ingredientes e suas funções, podemos agora apresentar como é realizada a produção do vidro e quais os princípios envolvidos:
1 – Aqueça a água em uma panela, mas sem ferver.
O açúcar, que é composto por sacarose (Figura 1), será dissolvido em água com o objetivo de prejudicar sua cristalização e diminuir seu ponto de fusão. Em outras palavras, a água tem a função de modificadora de retículo e auxiliará na produção do vidro. Este líquido exerce atração sobre as moléculas de sacarose do açúcar, fazendo com que parte delas saia dos cristais e interaja com a molécula de H2O, provocando a solubilização do açúcar. No entanto, à temperatura ambiente nem toda a sacarose consegue ser solubilizada, pois antes disto é formada uma solução saturada, ou seja, a água do recipiente solubiliza todo o açúcar que consegue, mas não toda a quantidade que foi adicionada, fazendo com que parte dos cristais permaneçam na forma original, não homogeneizados. Sabendo que a quantidade de açúcar que pode ser solubilizada aumenta proporcionalmente à temperatura da água, esta deve ser aquecida para a produção do vidro. No entanto, ao atingir o ponto de ebulição, o líquido começa a se tornar vapor e passa a não solubilizar mais açúcar e é por esta razão que a fervura deve ser evitada.
Figura 1 – Molécula de sacarose, a qual é composta por glicose e frutose.
2 – Misture a porção de açúcar lentamente à agua aquecida e mexa.
Esta é a parte na qual inicia a solubilização completa da sacarose, fazendo com que se dissolvam os cristais de açúcar. Isto é extremamente importante, pois para adquirir a estrutura amorfa do vidro, a estrutura cristalina original do açúcar deve ser eliminada.
3 – Misture a glicose líquida ou o xarope de glicose e continue mexendo até que a maior parte da água evapore.
A água apresenta uma baixa viscosidade à temperatura ambiente (imagine a água descendo pela parede de um copo e depois imagine a mesma coisa para o mel. É bem fácil estimar quem chegará primeiro ao fundo: a água, visto que é menos viscosa) e isto irá interferir na solidificação do vidro, que desejamos que seja sólido à temperatura ambiente, assim, a água precisa ser eliminada, mas caso isto seja feito, as moléculas de sacarose se unirão novamente e formarão cristais de açúcar. É neste momento que entra a glicose! Ela é um dos componentes da sacarose, como vimos na Figura 1, o que as torna bastante semelhantes quimicamente. Dessa forma, as estruturas apresentam uma boa interação intermolecular e isto atrapalhará a organização das moléculas de sacarose umas com as outras, que levaria à formação dos cristais de açúcar. Em outras palavras, a glicose também atua como modificador de retículo, suprimindo o processo de cristalização.
4 – Despeje a mistura no molde e aguarde o resfriamento.
Como os vidros tradicionais, o vidro de açúcar também é moldado a quente, podendo inclusive ser soprado e conformado de maneira a adquirir geometrias complexas. Uma vez que o vidro é vazado no molde desejado, deve-se esperar que ele resfrie para que se torne sólido e possa ser devidamente manuseado.
Pronto, o vidro está pronto para uso! Agora é a hora em que você assusta sua mãe, quebra o vidro com as mãos e se sente como o batman, ou utiliza seu colega como cobaia mesmo e quebra na cabeça dele. Brincadeira, ainda que seja muito menos perigoso do que o vidro tradicional, o vidro de açúcar também pode nos cortar, então muito cuidado!
Vejamos o vidro em ação:
OBS: Não façam isso em casa!
Fontes:
The Sweet Science of Candymaking – Tom Husband;