É possível soldar metal com cerâmica?

Você já teve problemas em sua casa ou trabalho e precisou “soldar” alguma peça com estanho? Normalmente o processo é feito para soldar fios a alguma outra superfície metálica, como vemos nas figuras abaixo:

Você sabia que esse processo na verdade não se trata de uma soldagem? Para que a soldagem propriamente dita ocorra, é necessário não somente fundir o metal de adição, que é a liga adicionada na junção entre os dois componentes, mas também a superfície dos próprios componentes, denominados de materiais de base. Se pensarmos no exemplo do estanho, as peças seriam o material de base e o estanho, o material de adição. Claro que consideramos aqui apenas as soldagens nas quais o material encontra-se no estado fundido, porque é possível também soldar no estado sólido, como por exemplo na soldagem por difusão ou por fricção, onde não há fusão de nenhum dos materiais e ainda assim denomina-se o processo de soldagem. Mas voltando ao caso onde há fusão dos metais envolvidos, a “solda” de estanho deve na verdade ser chamada de brasagem, processo em que apenas o metal de adição é fundido e preenche a junta de soldagem por capilaridade, eliminando os espaços vazios entre as duas peças e solidificando em seguida. É sobre esse processo que vamos falar hoje, já que ele é um dos únicos que permite a união de materiais de classes diferentes, como metais e cerâmicas.

A brasagem ocorre a temperaturas iguais ou acima da de fusão do material de adição, mas sempre a temperaturas inferiores à fusão do metal base. Para que a união por brasagem seja possível, é necessário que ocorra o molhamento do material de base pela liga adicionada na junta, isto é, que haja afinidade entre estes dois materiais. Para um bom molhamento, é importante que as faces a serem unidas sejam previamente limpas para a remoção de graxa, óxidos e outras impurezas. Normalmente a brasagem é feita por um oxicombustível, utilizando uma liga de cobre como metal de adição e um fluxo adequado para proteger a região soldada de gases do ambiente e melhorar a capilaridade do material e, consequentemente, o preenchimento da junta. No entanto, é possível utilizar também os processos TIG ou arco plasma, sem a necessidade da utilização de fluxos e sem fundir o metal de base e também utilizar diversos outros metais de adição, como ligas com níquel, prata e ouro. O processo de brasagem é interessante na união de metais dissimilares, ou mesmo materiais de classes diferentes, peças pouco espessas e também metais já tratados termicamente, já que sua fusão por um processo de soldagem convencional implicaria numa modificação microestrutural que comprometeria o tratamento realizado.  O foco de hoje será a união de materiais diferentes: metais e cerâmicas.

Uma das dificuldades em se utilizar cerâmicas na indústria é o fato de elas precisarem muitas vezes ser unidas a outras cerâmicas ou materiais metálicos. A soldagem direta de cerâmicas é quase sempre impossível, salvo em materiais como carbeto de silício ou nitreto de silício, que podem ser soldados por feixe de laser. Assim, para ampliar a utilização de cerâmicos, diversas pesquisas foram realizadas a respeito de métodos de junção desses materiais e bons resultados foram obtidos para a brasagem. Observou-se, por exemplo, que ao tentar unir cerâmicas com uma liga de brasagem contendo pequenas quantidades de zircônio, há molhamento do cerâmico pela liga. Isso é excelente, pois antes era necessário fazer um procedimento de metalização da cerâmica para permitir que ela tivesse alguma afinidade com o metal de adição. Após a descoberta, viu-se que esse pré-processo não seria mais necessário, desde que as ligas de brasagem contivessem um elemento “ativador”, o qual normalmente é titânio, mas também pode ser háfnio, nióbio ou zircônio. A função desse elemento ativador é desenvolver a camada metalizada no momento em que ocorre a brasagem, isto é, o elemento reage com o material cerâmico e vai formando fases intermetálicas complexas, as quais revestem a superfície da cerâmica e têm afinidade com o metal de adição, sendo molhadas pelo mesmo. Com isso, é possível unir cerâmicas a elas mesmas, outras cerâmicas, cermets (compósitos de cerâmica com metal) e uma ampla variadade de materiais metálicos. Exemplos de cerâmicas que podem ser brasadas por ligas ativadas são alumina, nitreto de silício, carbeto de boro, nitreto de boro (hexagonal e cúbico), safira, carbeto de silício, zircônia, nitreto de alumínio, diamante, vidros e grafite. Convém destacar que o efeito de ativação na liga de brasagem ocorre apenas a temperaturas superiores a 750°C, dependendo da composição da cerâmica a ser unida. Normalmente os nitretos e carbetos são molhados mais facilmente pelos metais de adição do que as cerâmicas óxidas.  A figura abaixo mostra a junta brasada entre alumina e uma liga de ferro-níquel-cobalto.

junta_alumina_Fe-Ni-Co

Micrografia de junta brasada de alumina com liga de ferro-níquel-cobalto utilizando liga de prata-cobre-índio ativada com titânio como metal de adição. Fonte: Listemann AG, Liechtenstein / European Association for Brazing and Soldering.

É possível observar que abaixo do material de base cerâmico (1), há uma camada proveniente da reação entre o elemento ativador e a alumina, identificada pelo número 2. Essa camada é molhada pelo metal de adição (3), que por sua vez encontra-se unido ao segundo material de base (4), a liga de ferro-níquel-cobalto.

Além de poder unir materiais de classes diferentes, como vimos, a brasagem é interessante do ponto de vista industrial por provocar um menor empenamento da peça, já que são utilizadas temperaturas mais baixas, também por não interferir muito na microestrutura do material de base, já que o mesmo não é fundido e por ser mais veloz do que os processos de soldagem convencionais. Além disso, o equipamento é simples e de fácil utilização e os metais frágeis, como ferro fundido cinzento, podem ser unidos sem um alto pré-aquecimento. No entanto, o processo também tem suas desvantagens, que são o fato de a resistência do conjunto ser limitada à resistência do metal de adição, assim como a temperatura de serviço, limitada ao ponto de fusão do metal de adição e também a possibilidade de ocorrência de corrosão galvânica na junta brasada.

 

Fontes:

Is it possible to braze ceramics? – European Association for Brazing and Soldering;

Brasagem: Características do processo – Info Solda;

Brasagem – Condor.

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