#7 Conversa com Engenheiro: Georges Lemos (Technische Hochschule Ingolstadt)

Na edição do mês de maio da Conversa com Engenheiro convidamos o Georges Lemos para compartilhar um pouco do seu conhecimento com a gente! O Georges é doutorando em Ciência e Engenharia de Materiais na Brandenburgische Technische Universität Cottbus, em parceria com a Technische Hochschule Ingolstadt, onde atua no desenvolvimento de novos compósitos de matriz metálica com elevada resistência â fluência e fadiga. Possui graduação em Engenharia de Materiais e Mestrado em Ciência e Engenharia de Materiais pela Universidade Federal de Santa Catarina, com experiência na área de Engenharia de Materiais e Metalúrgica, atuando principalmente nos seguintes temas: aços para aplicações automotivas; tratamentos térmicos; aços inoxidáveis e endurecíveis por precipitação; superligas de níquel; compósitos de matriz metálica; fluência.

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Georges Lemos
  1. Quais as principais vantagens e desvantagens dos materiais compósitos?

Os compósitos combinam materiais distintos, tais como metais, cerâmicas e polímeros, tendo como resultado um material com propriedades superiores às que estes possuem separadamente. A ideia de unir diferentes classes de materiais é antiga, mas por muito tempo as dificuldades técnicas e financeiras com sua manufatura superavam as vantagens. Este quadro se inverteu nas últimas décadas, quando a demanda por componentes mais leves e resistentes forçou a indústria a investir no seu desenvolvimento.

Há ainda muitas desvantagens: fabricar um compósito é sempre mais caro em relação à manufatura de um material não-reforçado. As dificuldades vão desde processos de fabricação mais lentos e complexos, ao domínio tecnológico ainda concentrado em um número relativamente pequeno de empresas. Aos poucos, no entanto, os compósitos deixam de reinar somente no setor aeroespacial, e ganham espaço também na indústria automotiva, na geração de energias renováveis, e até mesmo em muitos produtos do dia-a-dia.

Dentre suas maiores vantagens, como citado, está a redução de peso. Ao combinar a versatilidade e leveza de uma matriz polimérica com fibras cerâmicas, por exemplo, obtém-se um grande incremento nas propriedades mecânicas. É o caso do Boeing 787 Dreamliner, que substituiu grande parte de seu frame de alumínio por CFRP (Carbon Fiber Reinforced Polymer), tornando o avião não somente mais leve, mas também mais resistente. O mesmo princípio tem sido aplicado na indústria automotiva em veículos elétricos, tal como o BMW i3. Contudo, há limitações: a estrutura principal destes veículos continua sendo metálica, uma vez que fibras não possuem as propriedades mecânicas isotrópicas exigidas por certas estruturas. Neste caso há também espaço para o desenvolvimento de compósitos reforçados com partículas e whiskers, entre outros, capazes de prover o grau de isotropia necessário para estas aplicações.

  1. De que forma são determinadas a composição e quantidade de particulados dos materiais compósitos? Normalmente são utilizados modelos teóricos ou são feitos no método da “tentativa e erro”?

Modelos teóricos são continuamente desenvolvidos e comparados a processos experimentais. Desde que Cox (1952) propôs a Regra da Mistura, muitos pesquisadores criaram seus próprios modelos, para materiais e reforços específicos. Boa parte destes modelos são mantidos sob sigilo industrial. A complexidade aumenta quando o material da matriz gera outros precipitados, como ocorre em muitos compósitos de matriz metálica (MMCs).

Ao usar excesso de material de reforço, pode ocorrer a aglomeração destes, criando defeitos que levarão o componente à falha prematura. Por outro lado, uma quantidade muito pequena de reforço trará somente elevados custos de fabricação, e poucos benefícios. A forma e o tamanho de fibras e partículas de reforço também são levados em conta nos modelos, uma vez que diferentes mecanismos de deformação irão atuar no material, dependendo destes parâmetros. É possível ainda combinar reforços de formato e tamanho diferentes, para se obter diferentes mecanismos de endurecimento simultaneamente.

  1. O mercado brasileiro já aceita bem os materiais compósitos? Você notou alguma diferença na forma como esses materiais são encarados quando se mudou para o exterior?

No Brasil as aplicações ainda são bastante restritas e limitadas aos antigos compósitos, tal como a fibra de vidro utilizada no setor náutico. Nos países desenvolvidos, no entanto, compósitos de alto desempenho já fazem parte do dia-a-dia, em espacial no transporte. Aqui na Alemanha, por exemplo, são utilizados no sistema de freios dos trens de alta velocidade ICE e em componentes de diversos automóveis (incluindo modelos de menor custo), além das turbinas eólicas espalhadas pelo país.

A demanda vem da maturidade do mercado, que exige a redução de consumo energético e o desenvolvimento de sistemas de mobilidade de maior desempenho. Para que o trem possa atingir altas velocidades, é preciso ter freios de alta confiabilidade e eficiência. Para que o custo do transporte aéreo se mantenha competitivo, a aeronave deve pesar menos e consequentemente consumir menos combustível. A turbina eólica deve ter alto rendimento, caso contrário a expansão das fontes de energias renováveis seria comprometida. Se o Brasil não investir no desenvolvimento de materiais capazes de prover as futuras necessidades do mercado, ficaremos presos a tecnologias ultrapassadas e ineficientes, ou condicionados à importação de tais materiais. Um exemplo é a antiga ideia de se contratar uma empresa alemã para construir um trem de alta velocidade no Brasil, exigindo que haja uma cláusula de transferência da tecnologia, mas nem sequer possuir a capacidade de produzir a matéria-prima para tal.

  1. Quais diferenças você vê em fazer um doutorado no exterior em relação ao brasileiro?

Imaginava que a maior mudança estaria na estrutura das universidades e centros de pesquisa, mas na realidade a grande diferença que observei foi o foco no mercado que os pesquisadores alemães possuem. Claro que é feita muita pesquisa de base, mas há sempre uma pressão forte para conectar suas ideias e resultados com aplicações práticas. Com isso não somente a pesquisa é mais fortemente ligada a temas atuais, como se torna muito mais fácil conseguir financiamento privado para desenvolver suas ideias.

Acredito que boa parte do problema no Brasil esteja na inexistência de departamentos de Pesquisa e Desenvolvimento na maioria das empresas, pois as soluções vêm de fora e são somente adaptadas para a realidade local. Nos países desenvolvidos é o contrário, a solução é desenvolvida localmente, o que favorece a carreira do pesquisador e o valoriza de forma justa. Outra consequência disso é que também se torna mais fácil empreender, já que é fácil encontrar parceiros abertos a novas ideias neste ambiente.

Como desvantagem, cito as diferenças culturais iniciais entre a forma de trabalho no exterior, e no Brasil. Algumas pessoas simplesmente não conseguem se adaptar. É importante pesquisar muito antes de tomar a decisão de deixar seu país. Há também uma burocracia imensa a ser encarada antes que a pessoa possa se sentir, de fato, integrada ao novo país. Tudo deve ser considerado.

  1. Como você trabalhou na indústria e depois começou a fazer o mestrado e doutorado, quais conselhos você daria para dois estudantes, um que deseja começar a carreira na indústria e outro que deseja ter uma vida acadêmica?

A carreira na indústria, em especial no Brasil, exige um direcionamento mais cedo. Neste caso é preciso obter o máximo de experiência profissional durante a graduação, através de estágios. Não se limite a uma empresa, uma função. O mercado quer um profissional multidisciplinar, que possua os conhecimentos técnicos da sua área, mas também de gestão e de suas ferramentas. Um estágio fora do país favorece muito o currículo, sempre, mas até mesmo um intercâmbio para aprender uma língua ajuda.

Já na carreira acadêmica em engenharia a iniciativa é o ponto mais valorizado. O currículo é visto de forma um pouco diferente, os professores buscam nas entrelinhas seu interesse pela pesquisa, sua capacidade de buscar resultados sozinho se necessário (já que dificilmente orientadores terão tempo para atender a todos seus alunos). Ter ao menos um artigo, patente ou trabalho de destaque na área, combinado ao domínio de outras línguas, dá o impulso necessário para entrar no mundo da pesquisa. A maior dica aqui é, quando possível, tomar a iniciativa de marcar uma entrevista com o futuro professor-orientador, demonstrando interesse nas linhas de pesquisa e em conhecer os laboratórios.


Agradecemos muito ao Georges por aceitar nosso convite e pela disponibilidade.

Caso você queira saber mais sobre os MMC’s não deixe de ler o nosso post Compósitos com matriz metálica (MMC)!

Perdeu a última entrevista? Acesse pelo seguinte link: #6 Conversa com Engenheiro: Marcelo Rabello (UFCG).

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One thought on “#7 Conversa com Engenheiro: Georges Lemos (Technische Hochschule Ingolstadt)”

  1. “Acredito que boa parte do problema no Brasil esteja na inexistência de departamentos de Pesquisa e Desenvolvimento na maioria das empresas, pois as soluções vêm de fora e são somente adaptadas para a realidade local. Nos países desenvolvidos é o contrário, a solução é desenvolvida localmente, o que favorece a carreira do pesquisador e o valoriza de forma justa. Outra consequência disso é que também se torna mais fácil empreender, já que é fácil encontrar parceiros abertos a novas ideias neste ambiente.”

    Excelente! XD

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