Descubra a matéria-prima mais inusitada para a fabricação de roupas

Vamos apresentar hoje o que talvez seja a matéria-prima mais surpreendente e inusitada de toda a Engenharia de Materiais e Engenharia Têxtil. Inspirados no post recente que descreve o impacto devastador que os materiais não biodegradáveis podem ter no ambiente, mostraremos hoje a produção de fibras 100% biodegradáveis feitas a partir de uma das coisas mais amadas pelos estudantes de engenharia (e creio que pelos engenheiros formados também): A cerveja!

A ideia foi da empresa australiana Nanollose Pty Ltda. e, como muitas das grandes invenções da humanidade, surgiu após um acidente envolvendo um processo produtivo que já é feito há muitos anos. Nesse caso, a produção de vinhos. O cientista australiano Gary Cass conta que na década de 90 acidentalmente contaminou uma cuba de vinho com uma bactéria conhecida como Acetobacter, transformando o produto em vinagre. O fato poderia ter passado despercebido para o cientista, não fosse pelo fato de uma camada pegajosa, com aspecto de lodo, ter se formado sobre o líquido contido na cuba. Cass resolveu estudá-la e descobriu que a mesma era composta principalmente por fibras de celulose, sendo bastante semelhante quimicamente ao algodão. Por que não utilizá-la então para a produção de tecidos? Foi exatamente isso que o cientista, em parceria com a profissional do ramo têxtil Donna Franklin, resolveu fazer. O resultado você vê abaixo:

Fermented Fashion _ Wine

“Micro’be'”

Após o desenvolvimento do tecido proveniente da fermentação de vinho, que ficou conhecido como Micro’be’, a dupla continuou trabalhando em outras opções de matéria-prima. No ano passado foi lançado o tecido feito a partir da fermentação da cerveja, sobre o qual comentamos no início desse texto. O material é uma melhoria da versão anterior, visto que permite a obtenção de fibras de celulose de melhor qualidade. Além disso, com a troca de matéria-prima, o tecido apresenta também uma alteração na sua cor de vermelho para um tom neutro, próximo do branco, como podemos ver na imagem abaixo:

beer-dress-amber-lo-res.jpg

“The Beer Dress”. Créditos: Adam Scott

Agora que já conhecemos os tecidos e temos ideia de como são produzidos, vamos ver com mais detalhes os segredos por trás dessa transformação. Cass explica que a bactéria Acetobacter contém genes similares aos pés de algodão e consegue converter álcool/açúcares em fibras de celulose. Além dessa habilidade de transformar o líquido em fibras, as bactérias ainda tecem as fibras formadas e transformam-nas em uma matriz que irá cobrir a superfície do líquido, seja esse o vinho ou a cerveja. Essa matriz é então removida e manipulada até que se torne uma roupa. Convém destacar que as fibras formadas são nanométricas, enquanto no algodão convencional encontramos fibras muito maiores. Além disso, as fibras produzidas a partir da fermentação são 100% biodegradáveis e mais eco-friendly quando comparadas às outras fibras naturais e sintéticas disponíveis no mercado. Sua combinação de propriedades também é única, apresentando alta pureza, elevada densidade, leveza, boa retenção da forma, resistência à tração reforçada, elevada área de superfície e ainda fácil ligação entre fibras por ação de líquidos como a água. Com isso, além de o tecido ser resistente e flexível, ele ainda permite que o corpo respire devido à sua nanoporosidade.

No momento, a companhia australiana continua as pesquisas para que no futuro não use mais vinho ou cerveja como matéria-prima, mas sim resíduos desses produtos ou de outras indústrias alimentícias, o que diminui custos, valoriza o uso de resíduos e é ainda mais benéfico ao meio ambiente. Além disso, são previstas aplicações dos materiais como tecidos sem costura, absorventes, produtos sanitários, opções para tratamento médico de queimaduras ou outros materiais avançados, já que as fibras são muito semelhantes fisicamente às fibras de colágeno que estruturam nosso corpo. Assim, segundo testes iniciais, é possível que as fibras possam ser utilizadas para produzir tecidos humanos, permitindo a reconstrução de tímpanos, células do fígado (por ironia, tendo como matéria-prima a mesma substância que ajuda a destrui-las) ou tecidos de outros órgãos do corpo humano.


Se interessou pelo tema? Sabia que também existem roupas feitas de PET reciclado, chá-verde ou mesmo de tecidos em spray? Confira aqui.

Referências:

Cheers! Is the beer dress the future of nonwovens?

Australian Scientists Create “Fermented Fashion” From Red Wine, Beer;

Nanollose Pty Ltd.

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