Como fabricar vidros à temperatura ambiente

 

Para transformar matérias-primas, geralmente óxidos, em vidro é preciso aquecê-las até que se fundam, o que demanda uma grande quantidade de energia. Para reciclar o vidro, é preciso também aquecê-lo até que tenha uma viscosidade suficientemente baixa para ser moldado e produzir a ampla gama de produtos que conhecemos. As temperaturas necessárias para esses dois processos dependem da composição do vidro, mas quase sempre situam-se acima de 1000°C. Considerando essa situação, é difícil pensar em vidro sem pensar em fornos, energia, calor, elevadas temperaturas. No entanto, existe uma maneira alternativa para produzir esse material à temperatura ambiente e nós mostraremos como ela funciona.

Os vidros são materiais amorfos, isto é, seus átomos não formam uma estrutura organizada e periódica no espaço. No entanto, essa não é a condição mais estável para um material, então diz-se que os vidros são metaestáveis, não estão em seu estado de menor energia livre. Dependendo das circunstâncias de processamento, até os metais cujas estruturas cristalinas estudamos no dia-a-dia podem ficar nessa condição: sem estrutura cristalina, completamente amorfos – são os chamados metais líquidos. No entanto, alguns elementos químicos têm mais facilidade para formar estruturas amorfas, por exemplo o silício, o germânio, o boro. Assim, normalmente seus óxidos são empregados como matéria-prima para a produção de vidros, sendo conhecidos como agentes vitrificantes, já que são os responsáveis pela formação da “rede” de ligações químicas que compõem o vidro.

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Material cristalino (à esquerda) e amorfo (à direita).

Pensando no vidro como uma rede de ligações químicas, porque não utilizar matérias-primas que contenham esses elementos vitrificantes mas que sejam mais reativas do que os óxidos? Assim não é necessário fornecer tanta energia para que reajam e formem vidro. Foi exatamente essa a ideia por trás do processamento sol-gel: a técnica permite produzir vidros a partir de reações químicas onde, nesse caso, são utilizadas substâncias conhecidas como alcóxidos. A reação dessas substâncias ocorre à temperatura ambiente e forma um produto que é uma solução coloidal, conhecida por sol. Esse produto transforma-se lentamente em gel vítreo, basicamente um esqueleto de vidro que fica circundado por uma fase líquida independente. Essas duas fases, sol e gel, dão nome à rota de síntese. Se secarmos o produto final, temos um vidro. Um grupo brasileiro, da Unesp de Rio Claro, desenvolveu uma técnica de secagem de géis utilizando gás carbônico em condições hipercríticas e obteve resultados bem interessantes: os vidros produzidos (de sílica) apresentaram densidade cerca de dez vezes menor que o vidro tradicional, ou seja, muito mais leves. Além disso, conseguiram também uma área superficial elevada, em torno de 1.200 m²/g.

O processo de sol-gel consegue produzir vidros que não seriam possíveis pelo processamento convencional por meio de fusão, permitindo o desenvolvimento de novas composições químicas. Além disso, a técnica apresenta inúmeras aplicações científicas e tecnológicas, permitindo preparar vidros com alto grau de pureza, homogêneos ou mesmo híbridos de vidros com componentes orgânicos, unindo a flexibilidade dos polímeros com a dureza dos materiais inorgânicos. Também são exemplos de materiais que podem ser obtidos por essa rota os vidros concentradores de luminescência, vidros com redução da transmissão de radiação no infravermelho (calor do sol), materiais birrefringentes, ou seja, com dois índices de refração, vidros foto, termo e halocrômicos (mudam de cor com a incidência de luz, temperatura e acidez do meio, respectivamente) ou até mesmo meios ativos para lasers. Devido à ampla gama de possibilidades, essa rota de síntese de materiais vítreos vem sendo explorada por diversos grupos de pesquisas e empresas.

Fonte:

Técnica para fabricar vidros a temperatura ambiente – Edneia Silva.

 

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