“Engenheirando” a indústria têxtil

O século XXI pode estar bem longe de chegar ao fim, mas já marcou o mundo da indústria têxtil com algumas invenções um tanto inusitadas. Vejamos uma breve linha do tempo:

2005 – Roupas de garrafa reciclada

Resíduos vêm cada vez mais se tornando matérias-primas interessantes para o meio industrial, devido a uma maior consciência ambiental das empresas e da população. Exemplo disso é a utilização de garrafas plásticas de PET, que seriam descartadas no lixo, para a produção de uma fibra têxtil de elevada qualidade, conhecida pelo nome de GreenPlus. Para isso, são removidos os rótulos e tampas das garrafas, que então são lavadas várias vezes para remover qualquer vestígio de cola ou outros contaminantes. Em seguida, estas garrafas são prensadas e picadas no formato de pequenos flocos, os quais são levados a uma extrusora, passam por uma fieira e tornam-se fibras de PET reciclado. Essas fibras são então manipuladas até que estejam em um tamanho ideal para a compactação, processo que lhes confere o aspecto de um tecido, permitindo que sejam utilizadas posteriormente para a produção de diversas vestimentas e produtos em geral.

2010 – Roupas em spray

Desenvolvida pelo estilista Manel Torres em parceria com a Imperial College London, a roupa em spray foi batizada como Fabrican Spray-on. A vestimenta é composta por uma mistura de fibras, que podem ser de lã, algodão, linho ou acrílico, de acordo com a textura desejada para o tecido. Além disso, ela tem em sua composição polímeros e solvente. Os primeiros têm a função de realizar a união das fibras, formando um tecido confortável e sem qualquer tipo de costura, enquanto o segundo permite que o material seja líquido em seu estado inicial, de forma que possa ser aplicado na forma de spray. Para que a roupa adquira uma consistência sólida, o solvente passa a sofrer evaporação assim que a mistura é liberada sobre o corpo, levando cerca de 15 minutos para que a roupa esteja sólida e perfeitamente finalizada, tempo suficiente para que ela possa se moldar ao corpo. O resultado é uma vestimenta ecológica, que pode ser lavada, reutilizada e ainda redissolvida, transformando-se em matéria-prima para novas peças de roupa. Os pontos negativos são o forte cheiro de solvente e o design “justinho” destas roupas, que não agrada a todos os consumidores.

roupa em spray

Camiseta produzida por tecido em spray. Fonte: Imperial College of London

2010 – Roupa de chá verde e bactérias

Batizado de BioCouture, o tecido inventado por Suzanne Lee é feito a partir de vinagre, chá verde doce e bactérias. Confira abaixo a “receita” do tecido:

Receita2

Fonte: BioCouture

E como funciona?

As fibras do tecido começam a surgir em meio à mistura de microorganismos, crescem e transformam-se em folhas de celulose bacteriana. Estas finas folhas são então moldadas no formato de roupas enquanto estão úmidas, para que quando sequem, as partes sobrepostas da roupa fiquem grudadas e formem “costuras”.

BioCouture

BioCouture. Fonte: Revista Galileu

A peça original tem este aspecto de papiro visto na figura acima, no entanto pode ainda ser branqueada ou tingida com extratos vegetais.

2015 – Roupas com ar-condicionado

Circular líquidos quentes ou frios ao longo de uma peça de roupa por meio de canais incorporados a ela. Isso permite controlar a temperatura em que a roupa se encontra e não parece algo tão difícil, certo? Você pode estar se perguntando como isto não foi inventado antes, considerando quantas pessoas sofrem com o calor e frio excessivos diariamente.

Na verdade, vários protótipos já foram testados nos últimos anos. A produção de canais ao longo da peça não é algo difícil de ser feito, no entanto se estes forem muito grossos, a vestimenta torna-se algo nada prático de vestir. Assim, é preciso miniaturizar os canais,  assim como é feito atualmente para os biochips. No entanto, a fabricação destes microcanais já se torna complexa e cara, fazendo com que fosse viável o uso destes canais apenas a áreas pequenas, impedindo que houvesse uma refrigeração ou aquecimento eficaz.

O que mudou em 2015? Pesquisadores finlandeses do Centro de Pesquisas Técnicas VTT conseguiram realizar a estampagem a quente em larga escala dos microcanais, modificando uma grande área da vestimenta a um preço mais acessível. Estes microcanais são fabricados a partir de um polímero flexível, em um design como o mostrado abaixo.

roupa-com-ar-condicionado.jpg

O próximo passo da equipe finlandesa é tornar a temperatura da roupa ajustável por meio de smartphones. Fonte: VTT

Com a invenção sendo finalmente viável economicamente, esperamos que seja apenas questão de tempo para este tão sonhado produto chegar a nossos guarda-roupas.

Para finalizar, fiquemos com Torres, o idealizador da roupa em spray, que afirmou que “(…) a ciência e a tecnologia podem ajudar estilistas a criar novos materiais”, o que pôde ser comprovado na postagem de hoje. Pensem nisso como mais um área onde podemos atuar e deixar nossa contribuição para a sociedade. Abraço a todos!

Referências:

International Fiber Journal – Turning PET to Textiles;

Revista Galileu – Pesquisadores desenvolvem roupa em spray;

Inovação Tecnológica – Tecido em spray é borrifado no corpo e cria roupa sob medida;

BioCouture;

Revista Galileu – Designer britânica cria roupa “tecida” por bactérias;

VTT Research.

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Fibras “al dente” revolucionam o mundo das fibras de elevado desempenho

É importante que materiais de elevada responsabilidade, tais como coletes à prova de balas, fios cirúrgicos ou cordas para escalada sejam bastante resistentes mecanicamente, uma vez que podem colocar muitas vidas em risco se não apresentarem o desempenho necessário. Por essa razão, esses componentes são comumente feitos a partir de fibras poliméricas de alta performance, as quais possuem elevado módulo de elasticidade e limite de resistência, provenientes de alongamento e orientação das cadeias poliméricas na direção do comprimento da fibra.

Uma das principais maneiras de obter essas fibras é por meio de gel spinning, processo parecido com o air gap wet spinning utilizado para obtenção das fibras de Kevlar para coletes à prova de balas, que já mostramos em outra publicação. O processo de gel spinning trabalha com o polímero no estado de gel, obtido pela solubilização de uma pequena concentração deste material em solvente, o qual geralmente é inflamável. O solvente, após o processamento do polímero, deve ser recuperado e purificado. Este tratamento, bem como o próprio solvente utilizado, normalmente são extremamente danosos à saúde e ao meio ambiente. Considerando que para cada 10kg de fibra são utilizados 90kg de solvente, observa-se que o processo de gel spinning é bastante impactante, considerando sua grande demanda de solvente. Ainda assim, apesar de não parecer atrativo econômica e ambientalmente, o processo permite que fibras de elevado desempenho sejam desenvolvidas em escala comercial, uma vez que destaca-se entre os demais processos de spinning no que diz respeito à obtenção de fibras com propriedades especiais.

Assim, tendo em vista os inúmeros benefícios e contra-indicações do processo de gel spinning para obtenção de fibras de elevado desempenho, pesquisadores do departamento de materiais da universidade suíça ETH Zürich propuseram a utilização de novos solventes que tornassem o processo mais correto ambientalmente e não danoso à saúde dos operadores. Para isso, os cientistas utilizaram gorduras naturais provenientes de frutas e sementes para a obtenção de fibras de polietileno de ultra alto peso molecular, como por exemplo azeite de oliva e óleo de amendoim. Devido à conexão existente destes óleos com a culinária, as fibras foram denominadas fibras al dente.

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Fibras al dente produzidas a partir de mistura com azeite de oliva por 10 minutos a 230°C, seguida de extrusão e resfriamento ao ar. Fonte: Schaller et al (2015)

Com o uso destes óleos naturais, foi possível aumentar a concentração de polímero presente na mistura a ser processada, o que diminui os custos associados com a recuperação do solvente. No caso dos solventes inflamáveis isto não era possível, pois uma concentração elevada de polímero levava a uma diminuição das propriedades mecânicas, o que não é aceitável considerando a função de elevada responsabilidade que desempenharão os componentes produzidos a partir destas fibras de elevado desempenho. Há também, obviamente, uma vantagem do ponto de vista ambiental e de bem-estar social associada ao uso de uma substância mais natural, não agressiva e não inflamável. Não bastassem todos estes benefícios, as fibras al dente ainda apresentaram um melhor desempenho, sendo 2x mais fortes do que as fibras obtidas pelo processamento com solvente inflamável e sua produção, 250% mais eficiente do que o processamento convencional.

Um agradecimento especial à leitora Sara Tatiana Roldan Velásquez, que sugeriu o tema desta publicação, nos mostrando que assim como a culinária, a engenharia é uma arte!

Referências:

SCHALLER, R. et al. High-Performance Polyethylene Fibers “Al Dente”: Improved Gel-Spinning of Ultrahigh Molecular Weight Polyethylene Using Vegetable Oils. Macromolecules, 2015.

‘Al dente’ fibers could make bulletproof vests stronger and ‘greener’ – American Chemical Society.

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#2 Conversa com engenheiro: Gabriel Nunes (TNS)

Hoje trazemos a segunda publicação da série Conversa com Engenheiro. No primeiro post, entrevistamos Guilhermino Fechine, pesquisador do Centro de Pesquisa Avançadas em Grafeno e Nanomateriais – Mackgraphe. Hoje o entrevistado é Gabriel Nunes, sócio e diretor executivo da TNS Nanotecnologia, empresa que ganhou recentemente o 19° Prêmio Nacional de Empreendedorismo Inovador na categoria Melhor Empresa Incubada.

Biografia: Gabriel Nunes é engenheiro de materiais com graduação sanduíche na Alemanha, onde atuou em diferentes publicações de artigos científicos e publicação de um livro na área de compósitos aeroespaciais. Ex membro fundador da equipe campeã brasileira no 1o desafio solar Brasil – 09, membro da equipe que recebeu o prêmio de melhor trabalho de cooperação entre Brasil e Alemanha pelo IBE – Institute for Studies Brazil Europe – 11. Atualmente é sócio, e diretor executivo da TNS, onde atua com uma equipe multidisciplinar que executa diferentes projetos de consultoria e desenvolvimento de produtos na área de engenharia e nanotecnologia. A empresa possui iniciativas em todo Brasil, parte da Europa e América latina. Esta atuação fomentou convites para palestrar sobre gestão da inovação, nanotecnologia e empreendedorismo em todo o Brasil. Como últimos reconhecimentos, foi contemplado com o prêmio Stemmer de inovação em SC – 14, e membro da etapa nacional do programa de empreendedores promessas Endeavor – 15.

gabriel.png Continue reading #2 Conversa com engenheiro: Gabriel Nunes (TNS)

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Ferramentas de diamante com cBN

Na última semana mostramos diversas propriedades interessantes que o diamante possui como material de engenharia. Não é de se surpreender que este material, que apresenta a maior dureza dentre os materiais conhecidos, seja utilizado como matéria prima para ferramentas de usinagem. No entanto, além do preço elevado, o diamante apresenta outro problema, a baixa inércia química ao realizar a usinagem de peças de aço e ferro fundido.  Como os processos de usinagem provocam um aumento da temperatura na região de contato entre ferramenta e peça, o diamante sofre um desgaste químico, uma grafitização catalisada por metais como ferro e níquel, o que explica a reatividade desta ferramenta frente a metais ferrosos. Considerando a importância desses metais para a indústria, principalmente o aço, pode-se dizer que este é um grande empecilho para a utilização de diamante como ferramenta. No entanto, os ferros fundidos apresentam em geral uma baixa usinabilidade, assim como alguns tipos de aço, necessitando de ferramentas de elevado desempenho, elevada dureza.  Dessa maneira, apesar de não ser tão adequado, o diamante ainda é bastante utilizado para a usinagem desses materiais.

Outro material de elevada dureza comumente utilizado para a fabricação de ferramentas é o nitreto cúbico de boro (cBN). Diferentemente do diamante, este material é inerte quimicamente ao ferro, entretanto, sua dureza é cerca de 4x menor. Por esta razão, as ferramentas de cBN apresentam curto tempo de vida não pelo desgaste químico, mas sim por serem mais propensas a se destruir mecanicamente no contato com o material da peça a ser usinada. Essa destruição mecânica é a única razão que impede hoje que o diamante seja completamente substituído pelo cBN.

Considerando as características complementares desses materiais e a utilização consolidada de ambos como matéria prima para ferramentas, cientistas tiveram a ideia de misturá-los. Apesar de os materiais apresentarem afinidade química, já que ambos possuem ligações covalentes e afinidade quanto a suas redes atômicas,  “a ideia nunca havia sido demonstrada na prática porque as amostras obtidas em estudos anteriores eram pequenas demais para que se pudesse testar seu desempenho prático”, diz o professor Duanwei He.

No entanto, em junho deste ano (2015), o cientista russo Pavel Loginov e seus colegas conseguiram produzir e testar um compósito contendo partículas de diamante e de cBN. Para isso, os autores misturaram diamante monocristalino em pó e nitreto cúbico de boro, também em pó, mostrados na Figura abaixo.

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Diamante monocristalino e nitreto cúbico de boro em pó. Adaptado de Loginov et al (2015).

Para unir estes dois pós, foi utilizado um ligante de composição 35%Cu – 17%Fe– 18%Co – 30%Ni. O próximo passo foi definir qual proporção de diamante e cBN confereria à ferramenta o melhor desempenho.  Para isso, foi feito um lote piloto de ferramentas , verificando que a falha das mesmas após a usinagem ocorria por dois mecanismos: O primeiro deles é a grafitização do diamante, provocando desgaste químico e arredondamento do grão, que devido à mudança de formato torna-se facilmente arrancável do ligante, podendo sofrer pull out. O outro, diz respeito ao cBN, que não possui nenhum problema de adesão ao ligante ao longo da usinagem, no entanto é rapidamente danificado mecanicamente. Através da medição da perda de massa sofrida por cada ferramenta, representando o desgaste da mesma, foi observado que a proporção de 3 diamante : 1 cBN é a que possui melhor desempenho, 20% superior a ferramentas contendo apenas diamante e 2x melhor do que ferramentas de cBN.

Visando uma melhora ainda maior da ferramenta, foi adicionado nitreto hexagonal de boro (hBN) como nanorreforço ao ligante. Este material foi escolhido por ser quimicamente inerte com o diamante e com o ferro e também por se comportar como lubrificante sólido a elevadas temperaturas. Como resultado, além de aumentar a dureza do ligante, há a formação de um filme fino sobre os grãos de diamante, reduzindo seu contato direto com o ferro e protegendo-o, portanto, da grafitização. Assim, ferramentas contendo hBN apresentaram-se ainda melhores, sendo 80% mais eficientes do que as ferramentas produzidas sem o hBN.

Referências:

LOGINOV, P. et al. Diamond and cBN hybrid and nanomodified cutting tools with enhanced performance: Development, testing and modelling.Materials & Design, v. 88, p. 310-319, 2015.

Half Diamond, Half Cubic Boron, All Cutting Business – John Arnst

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Conheça o carbono tipo diamante (DLC)

Muitos se encantam com a beleza e raridade de um diamante, mas o que nem todos sabem é que este material pode ter aplicações incríveis na engenharia. Quando em pressão de 1 atmosfera, o diamante possui a maior densidade atômica dentre todos os materiais que existem. Seus átomos são ligados uns aos outros por ligações covalentes fortes as quais envolvem os orbitais híbridos sp³ do carbono. Considerando a densidade de átomos e a força das ligações entre eles, o diamante apresenta a maior dureza, maior módulo de elasticidade, maior condutividade térmica à temperatura ambiente e menor compressibilidade entre os materiais conhecidos. Além disso, possui elevada rigidez dielétrica (107 V/cm) e um energia de GAP de 5,5 eV, caracterizando-o como semicondutor. O fator limitante de uma ampla utilização deste material é seu custo, o qual é bastante elevado devido a sua raridade na natureza e às elevadas condições de temperatura e pressão necessárias para sintetizá-lo artificialmente.

Pensando em uma solução para conseguir as propriedades do diamante e evitar os custos elevados associados à compra deste material, cientistas tentaram sintetizar o diamante a baixas pressões, em condições nas quais este material é metaestável. Conseguiram sintetizar filmes policristalinos de diamante, mas a uma inviável taxa de crescimento de apenas algumas dezenas de nanômetros por hora. Continuando os esforços e as pesquisas, chegaram a taxas de crescimento bem maiores, de dezenas de micrômetros por hora, e além disso descobriram nesta pesquisa uma classe inteira de novos materiais, denominada de carbono tipo diamante (mais conhecida pelo termo em inglês diamond-like carbon, que dá origem à sigla DLC).

Os filmes de DLC apresentam estrutura similar à do diamante, no entanto são predominantemente amorfos (ou eventualmente microcristalinos), enquanto o diamante apresenta estrutura cristalina. Ainda assim, apresentam diversas propriedades interessantes do ponto de vista industrial e semelhantes às do diamante, tais como baixo coeficiente de atrito, elevada estabilidade térmica e elevada resistividade elétrica. Isto se deve ao fato de que os filmes de DLC contém inúmeras ligações de tipo sp³, assim como o diamante. No entanto, estes filmes também podem apresentar ligações sp², de forma que se torna possível estimar as propriedades e características de um filme de DLC através do cálculo da razão sp³/sp², em que sp³ representa o perfil “diamante” e sp², o “grafite”. O caráter desejado para o filme depende da aplicação, que abrange desde dispositivos optoeletrônicos e melhoria das propriedades químicas e/ou tribológicas de componentes, até a melhoria de ferramentas e de peças para setor automobilístico e revestimento para moldes, matrizes e próteses (biomateriais).

A variedade de possibilidades oferecidas pela combinação de ligações sp² e sp³ pode gerar uma variedade inimaginável de redes 3D de átomos de carbono. Filmes com elevada razão sp³/sp², por exemplo, tendem a apresentar ordem de médio a longo alcance como forma de aliviar tensões, o que é sinônimo da ocorrência de certo grau de cristalização. Uma vez que o conceito de material amorfo é que suas ligações não tenham ordem de longo alcance, isto implica que a maior parte dos filmes amorfos de DLC possui razão sp³/sp² não muito elevada.  A estrutura, e consequentemente as propriedades dos filmes de DLC são controladas pela técnica utilizada para depositar/implantar átomos de carbono. Sabe-se, por exemplo, que filmes produzidos por evaporação a partir de laser ou feixe de elétrons tendem a ter maior concentração de ligações sp² e caráter amorfo e que filmes microcristalinos não podem ser formados quando a energia de impacto dos íons é superior a aproximadamente 100 eV. As técnicas utilizadas para produção de filmes de DLC podem ser deposição por laser pulsado, deposição química na fase vapor assistida por plasma, bombardeamento iônico, deposição assistida por feixe de íons ou mesmo implantação iônica por imersão em plasma.  Assim, para que os filmes de DLC sejam produzidos, basicamente necessita-se de uma etapa de limpeza da superfície do material que receberá o filme, seguida de deposição de uma camada de propriedades intermediárias e, finalmente, deposição do filme de DLC por um dos métodos anteriormente mencionados. A adesão final entre filme e material de base é fortemente dependente das características que o último possui.

O que acharam do DLC? Vejam abaixo algumas imagens mostrando peças revestidas por esta classe de filmes.

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DLC depositado em vidro.

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Broca revestida por DLC.

Referências:

RAO, C. N. R.  Chemistry of advanced materials : a chemistry for the 21st century monograph. Oxford: Blackwell, 1993. 388p.

ANGUS, J. C.; HAYMAN, C. C. Low-pressure, metastable growth of diamond and” diamondlike” phases. Science, v. 241, n. 4868, p. 913-921, 1988.

FURLAN, K. P.; KLEIN, A. N.; HOTZA, D. Diamond-Like Carbon Films Deposited by Hydrocarbon Plasma Sources. Rev. Adv. Mater. Sci, v. 34, p. 165-172, 2013.

ENSINGER, W. et al. Formation of diamond-like carbon films by plasma-based ion implantation and their characterization. New Diamond and Frontier Carbon Technology, v. 16, n. 1, p. 1-32, 2006.

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Entenda os efeitos de usinagem térmica sobre microestrutura e propriedades de materiais

No post de hoje falaremos sobre eletroerosão, um processo de usinagem por remoção térmica, e sobre como este processo influencia na microestrutura e propriedades de um material metálico.

Primeiramente, o que é usinagem? Segundo a norma DIN 8580, a usinagem consiste em um processo de fabricação que promove a retirada de material na forma de cavaco. Este processo tem o objetivo de conferir à peça a forma, a precisão dimensional e/ou o acabamento superficial requisitados em seu projeto. Assim, a usinagem compõe a base da indústria moderna e é utilizada direta ou indiretamente em todos os componentes manufaturados.

Um tipo de usinagem por remoção térmica vem chamando a atenção no meio industrial: a eletroerosão. A técnica consiste basicamente em fundir ou vaporizar o material a ser usinado por meio de descargas elétricas que ocorrem entre a peça e uma ferramenta, formando um canal de plasma entre estes dois eletrodos que pode alcançar temperaturas de 5500 a 10000 K. Assim, partículas de material são fundidas ou vaporizadas e em seguida removidas por um fluxo de fluido dielétrico, como mostra o vídeo abaixo (a partir de 36 segundos).

Ainda assim, parte deste material não é arrastada pelo fluido dielétrico para longe do material de base, ressolidificando em sua superfície. Isto leva à formação de uma camada superficial com microestrutura, composição química e propriedades distintas do material original, tais como resistência à corrosão, resistência ao desgaste abrasivo, dureza e propriedades mecânicas em geral. Nos aços, principais materiais usinados por eletroerosão, essa camada superficial formada é denominada camada branca. A camada possui este nome devido a sua coloração esbranquiçada quando observada em microscópio, mostrada na Figura 1. Essa coloração é proveniente da não corrosão da região pelos reagentes utilizados durante o ataque químico do material, realizado para realçar diferentes microestruturas em microscópio.

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Figura 1 – Micrografia de aço usinado por eletroerosão, mostrando a formação da camada branca na superfície. Fonte: Klocke e Karden (1999)

 A camada branca apresenta dureza superior ao material base da liga. Isso pode ocorrer por dois motivos: quando as peças são usinadas em dielétrico de hidrocarboneto, carbono é liberado pela desintegração do dielétrico e interage com o ferro do aço, formando cementita (Fe3C). Já quando a eletroerosão utiliza água como dielétrico, percebe-se uma diminuição de carbono na camada superficial, tornando-se composta principalmente por ferrita. Ainda assim, esta camada apresenta maior dureza do que o material base devido à rápida solidificação da região, a qual culmina na formação de uma microestrutura extremamente refinada. Também é bastante comum na camada superficial de aços a existência de poros e microfissuras, fragilizando a região e podendo ocasionar uma propagação de trincas durante a utilização do componente, reduzindo sua vida. Por essa razão, podem ser realizados tratamentos depois da usinagem por eletroerosão para a remoção da camada superficial.

Convém ressaltar que abaixo da camada superficial, encontra-se uma outra região afetada pela energia proveniente do plasma, denominada zona termicamente afetada. Esta região, apesar de não ter sofrido fusão, também pode apresentar modificações em sua composição química e microestrutura. Observa-se para os aços a formação de uma camada temperada e abaixo desta uma camada revenida, a qual é seguida pelo material base da liga, aquele que não sofreu nenhuma influência térmica, como mostra a Figura 2.

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Figura 2 – Micrografia de um aço micro ligado submetido a eletroerosão, destacando as diferentes regiões formadas em termos de microestrutura.  Adaptado de: Hespanhol (2009)

Apesar das mudanças de micrestrutura e propriedades provocadas no material, pode-se utilizar eletroerosão sem nenhum problema. Para isso, é importante diminuir a energia do plasma e consequentemente a espessura das regiões afetadas ou realizar pós-tratamentos como brunimento e polimento.  A grande vantagem desse processo é que a usinagem pode ser realizada independentemente da dureza, tenacidade e ponto de fusão dos materiais envolvidos, o único pré-requisito é que os materiais da ferramenta e da peça tenham condutividade elétrica mínima da ordem de 10-2 a 10-1 S/cm. Assim, são englobados os metais, grafite e ainda algumas cerâmicas e compósitos, mas destes materiais os principais a serem usinados são aqueles que apresentam difícil processamento.

Referências

DIN 8580 – Fertingunsverfahren. Berlin: Beuth Verlag, 1985;

BOOTHROYD, Geoffrey.Fundamentals of metal machining and machine tools. CRC Press, 1988;

MCGEOUGH, Joseph A.Advanced methods of machining. Springer Science & Business Media, 1988;

DESCOEUDRES, A. et al. Time-resolved imaging and spatially-resolved spectroscopy of electrical discharge machining plasma.Journal of Physics D: Applied Physics, v. 38, n. 22, p. 4066, 2005.

RAMKUMAR, J. et al. Characterization of plasma in micro-EDM discharge using optical spectroscopy.Journal of Manufacturing Processes, v. 11, n. 2, p. 82-87, 2009;

AMORIM, F. L. Tecnologia de eletroerosão por penetração da liga de alumínio AMP 8000 e da liga de cobre CuBe para ferramentas de moldagem de materiais plásticos. 2002. 147f. Tese (Doutorado em Engenharia Mecânica) – Departamento de Engenharia Mecânica – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2002;

HESPANHOL, H.C. Eletroerosão por fio em metal duro para ferramentas de estampagem de lâminas de motores elétricos. 2009. 118 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Mecânica) – Departamento de Engenharia Mecânica – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2009;

VAN DIJCK, F. et al. Some results of physical research in EDM. In: International Symposium for Electromachining, Bratislava. Proceedings. 1v. [1974?]. p. 68-85;

KLOCKE, F; KARDEN, A. Materials Characteristics after cavity sinking by EDM. Production Engineering, Germany, v. 6, n. 2, p. 35-38, 1999.

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Dispositivos eletrônicos flexíveis a partir de nanotubos de carbono

Os dispositivos eletrônicos flexíveis vieram para revolucionar a tecnologia  e deixar os consumidores frenéticos, não é mesmo? Dispositivos com esta interessante característica são feitos através da substituição dos chips rígidos de silício por materiais flexíveis, tais como os nanotubos de carbono.

Os nanotubos de carbono são pertencentes à família dos fulerenos, que são formas alotrópicas do carbono (para saber mais sobre alotropia, clique aqui). Este material, como seu nome sugere, tem escala nanométrica e formato cilíndrico, apresentando a mais alta relação comprimento/diâmetro conhecida, que é próxima a 132.000.000. Os nanotubos têm uma parede composta por grafeno, podendo ser classificados como SWNT (single-walled nanotube) ou MWNT (multi-walled nanotube), como mostra a Figura 1. Os primeiros têm a parede composta por uma única folha de grafeno, enquanto os segundos são compostos por alguns tubos de grafeno concêntricos. Os nanotubos de carbono apresentam excelente condutividade térmica e propriedades mecânicas e elétricas elevadas, as quais são intrínsecas ao grafeno, como já mencionamos em outra publicação. Desse modo, esses filamentos ultrafinos têm resistência suficiente para suportar o desgaste e o dobramento, fenômenos a que os dispositivos flexíveis são comumente submetidos.

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Figura 1 – Nanotubos de carbono contendo a) uma parede de grafeno ou b) mais de um tubo de grafeno concêntrico. Adaptado de “Carbon Nanotube – Wikipedia”

Os SWNT são a classe de nanotubos utilizada para a fabricação de dispositivos eletrônicos flexíveis, considerando sua elevada mobilidade de portadores de carga, excelente flexibilidade e também sua facilidade em ser manufaturado por processos de custo não muito elevado, como por exemplo a impressão. No entanto, trabalhar com nanotubos é desafiador, considerando que estes materiais não são tão confiáveis quanto o silício no que diz respeito ao desempenho eletrônico, já que são menos tolerantes a oscilações de energia no circuito.  Além disso, consomem mais energia. Pensando nisso, pesquisadores da Universidade de Stanford estudaram uma maneira de melhorar as características eletrônicas dos nanotubos. Para isso, os pesquisadores doparam os filamentos de carbono com um aditivo denominado DMBI (dimetil-dihidro-benzimidazol) em locais específicos ao longo do circuito. Com isso, os cientistas conseguiram aumentar o efeito tipo N em nanotubos, que são semicondutores predominantemente de tipo P, e assim melhorar a eficiência energética e confiabilidade desses materiais para a aplicação. A Figura 2 mostra o circuito flexível desenvolvido pela equipe de Stanford.

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Figura 2 -Circuito flexível contendo nanotubos de carbono. Fonte: Bao Lab / Stanford Engineering

Ainda que plásticos como poliimida, poliéster condutor ou poli(éter-éter-cetona) sejam no período atual os principais materiais comercialmente utilizados para a fabricação de eletrônicos flexíveis, Bao, da equipe de Stanford, afirma que “os nanotubos oferecem os melhores atributos físicos e eletrônicos a longo prazo”. Assim, o pesquisador acredita que os SWNT venham a ser o futuro da eletrônica flexível, uma vez que têm melhor desempenho do que os plásticos.

Referências:

WANG, H. et al. Tuning the threshold voltage of carbon nanotube transistors by n-type molecular doping for robust and flexible complementary circuits. Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 111, n. 13, p. 4776-4781, 2014;

Stanford engineers make flexible carbon nanotube circuits more reliable and efficient;

Carbon Nanotube.

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Por que os metais sofrem corrosão?

A corrosão é definida pela NACE (National Association of Corrosion Engineers – importante associação da área) como a deterioração de um material, geralmente metálico, que resulta de uma reação com o meio em que este se encontra. A corrosão pode ser química ou eletrolítica. Algumas das inúmeras diferenças entre estas duas classes são listadas na Tabela abaixo:

Corrosão eletroquímica x química

Principais diferenças entre corrosão eletroquímica e química.

A corrosão eletroquímica será o foco da publicação de hoje, visto que é a mais frequente na natureza. Para que haja a ocorrência de corrosão eletroquímica, é necessária a transferência de elétrons, isto é, a ocorrência de reações de oxirredução. Este tipo de corrosão desencadeia-se através da formação de uma pilha de corrosão eletroquímica, a qual contém obrigatoriamente quatro elementos:

  • Ânodo: Região em que ocorrem as reações de oxidação. Consequentemente, é a superfície na qual a corrosão ocorre.
  • Cátodo: Região em que ocorrem as reações de redução. Assim, a superfície torna-se protegida, não há corrosão.
  • Eletrólito: Solução condutora que envolve o cátodo e o ânodo.
  • Ligação elétrica entre cátodo e ânodo

O exemplo clássico das pilhas de corrosão eletroquímicas são as pilhas galvânicas, aquelas formadas entre dois metais diferentes, que costumamos estudar no ensino médio. Este tipo de pilha é ilustrado pela figura abaixo, representando os quatro elementos obrigatórios para a ocorrência das reações de oxirredução.

Corrosao galvanica 001.jpg

Pilha galvânica. Fonte 

A pilha de corrosão galvânica ocorre devido à diferença de potencial de eletrodo entre os diferentes metais, e é mais reativa quanto maior for esta diferença de potencial. Para prever qual metal será corroído e qual será reduzido, existem algumas tabelas práticas. A mais famosa delas é a tabela de potenciais de eletrodos padrão, para a qual foi convencionada a reação de redução do hidrogênio (2H+ + 2e- -> H2) como um potencial de valor zero. A partir de análise comparativa da tendência de outros metais em sofrerem redução, em relação ao hidrogênio, criou-se uma tabela que permite comparar todos eles e prever qual será mais “nobre”, termo utilizado quando um metal tem menor tendência a sofrer corrosão em relação a outro.

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Tabela de potenciais de eletrodos padrão. Fonte 

A limitação deste tipo de tabela é que ela foi construída para um determinado metal imerso em uma solução iônica em que os cátions são de mesma composição que o metal, por exemplo, o alumínio foi imerso em uma solução contendo Al3+, o lítio em uma solução de Li+ e assim por diante. Isto nem sempre é encontrado na natureza, tornando a tabela limitada. Para isso, existem tabelas avaliando a redução dos metais em ambientes que simulam o ambiente real em que estes se encontram, por exemplo a água do mar:

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Tendência de diferentes metais a sofrer corrosão em água do mar. Fonte

A formação de pilhas galvânicas é apenas uma das maneiras através da qual pode ser desencadeada a corrosão eletrolítica. Além destas, podem ocorrer por exemplo a formação de pilhas de ação local, ativo-passiva,  concentração iônica diferencial ou aeração diferencial. Vejamos resumidamente como cada uma delas funciona:

  • Pilha de ação local: É causada em um mesmo metal devido a heterogeneidades em sua composição química, textura ou mesmo em suas tensões internas de uma região para outra. Assim, qualquer diferença no material, sejam poros, inclusões, trincas, diferentes estados de tensão, acabamento superficial ruim, diferença nos tamanhos de grão, tratamentos térmicos diferentes, materiais de épocas diferentes, entre outros, irá desencadear um processo de corrosão eletrolítica. Por esta razão, este tipo de pilha é o mais frequente na natureza.
  • Pilha ativo-passiva: Ocorre em materiais que formam películas apassivadoras, aquelas que são formadas por um processo corrosivo mas que tem ação protetora, recobrindo a superfície de um material metálico e impedindo que o processo corrosivo tenha continuidade. Como o material está protegido, se houver por alguma razão um dano na película em alguma região da superfície, esta região será extremamente suscetível à corrosão. Isto ocorrerá porque se formará uma pequena região anódica em meio à uma imensa região catódica, levando à primeira a uma forte corrosão localizada, característica das pilhas ativo-passivas.
  • Pilhas de concentração e de aeração diferencial: Ocorrem respectivamente em condições em que um metal é exposto a diferentes concentrações de seus próprios íons ou de oxigênio. A região mais concentrada em íons será protegida, enquanto a menos concentrada sofrerá corrosão. De forma semelhante, para o gás oxigênio também ficará protegida a região mais aerada e será atacada aquela com menor teor de oxigênio.

 Considerando a possibilidade quase certa de um metal apresentar uma ou mais dessas condições que favorecem o processo corrosivo, é possível compreender porque afinal estes materiais são tão suscetíveis à corrosão.

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Materiais dielétricos

Isolantes elétricos, ou dielétricos, são materiais que apresentam condutividades elétricas pequenas, da ordem de 10-10 a 10-20 S/m. Devido a essa característica, essa classe de materiais é utilizada no confinamento de energia elétrica, seja para fins de segurança (isolamento elétrico de equipamentos e estruturas) ou de armazenamento energético (aumento da capacitância em capacitores). Os materiais isolantes normalmente são polímeros, cerâmicas, vidros ou madeiras.

Isolantes para fins de segurança / proteção de equipamentos:

Estes materiais têm grande importância para a proteção de pessoas e equipamentos. Um exemplo é o revestimento de fios de eletricidade, o qual permite que as pessoas possam tocar nestes fios sem que sofram choques. Quanto à proteção de equipamentos, um exemplo é a utilização de vernizes e filmes poliméricos isolantes nas bobinas de motores elétricos, fazendo com que haja um bom isolamento entre os fios das bobinas e evitem-se curtos-circuitos, os quais podem ocasionar a queima do motor.

De acordo com as temperaturas máximas de trabalho de determinado equipamento, é necessária a utilização de diferentes tipos de material isolante. Isso ocorre porque os dielétricos são divididos em classes térmicas, de acordo com as temperaturas máximas que podem suportar sem perder sua confiabilidade.

Tabela_classes_termicas

Classes térmicas de materiais isolantesFonte: Apostila de Materiais Elétricos – LaMat

Isolantes para armazenamento energético:

Os isolantes elétricos podem ser utilizados no interior de capacitores, que são componentes capazes de armazenar energia elétrica na forma de campo elétrico. Grande parte dos capacitores é fabricado através do enrolamento de dois filmes poliméricos metalizados, os quais são justapostos e desfasados entre si, formando uma bobina semelhante à mostrada na figura abaixo. Comumente são utilizados polipropileno como dielétrico e liga AgZnAl como revestimento metálico.

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Armaduras e dielétrico de um capacitor organizados na forma de bobina

A bobina será então colocada no interior da caneca do capacitor, região deste componente que ficará exposta ao ambiente, e em seguida será isolada do meio externo através do preenchimento da caneca com resina, conforme mostra a figura:

Capacitor

Interior de um capacitor

O aumento da capacitância de capacitores que contêm dielétricos ocorre devido à polarização destes isolantes quando submetidos a um campo elétrico, o que ocorre basicamente por três mecanismos:

Deslocamento espacial da nuvem de elétrons: Os elétrons são partículas carregadas negativamente, de forma que são atraídas para a região de maior potencial de um campo elétrico. Assim, os elétrons rearranjam-se em torno do átomo de modo a ficar mais próximos o possível da região positiva.

Movimentação iônica: Quando materiais iônicos são submetidos a um campo elétrico, seus íons rearranjam-se de maneira que os cátions fiquem mais próximos à região de menor potencial e os ânions à de maior potencial.

Orientação de dipolos: Há materiais que são constituídos por moléculas polarizadas, como a da água. Essas moléculas são denominadas dipolos permanentes e podem ser orientadas de modo similar ao que ocorre na polarização iônica.

Em todos os casos de polarização mencionados, ocorre uma orientação das cargas de modo a produzir um campo elétrico em sentido oposto e menor intensidade ao que deu origem à polarização, culminando em um campo elétrico resultante de menor módulo sobre o capacitor. Sabendo que o campo elétrico é diretamente proporcional à diferença de potencial, verifica-se que ao adicionar um dielétrico a um capacitor que possuía vácuo entre suas armaduras haverá uma diminuição da tensão sobre o componente. Como a capacitância é dada pela equação C= Q/V , onde Q é a carga armazenada, a qual não foi alterada com a adição do dielétrico, verifica-se que uma diminuição na tensão (V) sobre o capacitor culmina em um aumento de sua capacitância. Por consequência, é possível construir capacitores menores mantendo o mesmo valor de capacitância,o que permite a redução dimensional destes componentes.

Perda da capacidade de isolamento:

Os materiais dielétricos podem perder suas propriedades de isolamento de eletricidade. Para entender melhor como isto pode ocorrer, é necessário saber primeiro o porquê destes materiais apresentarem tais características. Os materiais isolantes possuem normalmente ligações iônicas ou covalentes fortes entre seus átomos. Sendo assim, os elétrons são fortemente atraídos pelos cátions, no caso das ligações iônicas, ou pelos átomos que o compartilham, no caso das ligações covalentes. A força das ligações torna necessária grande quantidade de energia para que o elétron possa se movimentar, fazendo com que em condições normais poucos elétrons estejam disponíveis para conduzir a eletricidade. Na medida em que é fornecida energia para os elétrons, que pode ser por meio do aumento da tensão aplicada, por exemplo, estas partículas vão adquirindo energia até que possam ser tornar elétrons livres. Quando o isolante recebe essa grande quantidade de energia, torna-se condutor e os elétrons libertados passam a se mover juntos, podendo queimar, fundir ou vaporizar uma região localizada do material e provocar nele danos irreversíveis.

Uma forma de observar este fenômeno e mensurar as tensões máximas a que um material pode ser submetido sem que perca suas propriedades de isolamento é por meio do teste de tensão disruptiva. Este teste consiste em aplicar tensões crescentes sobre o isolante até que ocorra falha deste material. A tensão responsável pela falha é definida como a tensão disruptiva do material. Dividindo esta tensão pela espessura do material, tem-se a rigidez dielétrica do mesmo, isto é, o máximo valor de campo elétrico suportado pelo material sem que passe a conduzir corrente elétrica. No vídeo mostrado abaixo, podemos ver a quebra de rigidez dielétrica de um vidro, procedimento que culmina em sua ruptura.

Referências:

Apostila de Materiais Elétricos: Capítulo 18 – Materiais Dielétricos. p. 501-556. Laboratório de Materiais (LaMat). Universidade Estadual do Oeste do Paraná;

CALLISTER, W.D. Ciência e Engenharia de materiais: Uma introdução. Rio de Janeiro: LTC, 7ª ed. 2008;

DA SILVA, M. A. Capacitores;

RODRIGUES, C. R. Materiais Elétricos e Eletrônicos: Unidade 4 – Materiais Isolantes e suas Propriedades. p. 1-40;

Epcos. Capacitores para Aplicação AC, 24f.;

ROLIM, J. Materiais Elétricos: Capítulo IV – Materiais Isolantes. p. 71-78.

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Vidros calcogenetos

Os vidros apresentam grandes aplicações nas áreas de construção civil, aeroespacial, produção de lentes, decoração,  utensílios domésticos, biomateriais, sensores, telecomunicação, etc. Em outras palavras, estes materiais são aplicados nos mais diferentes campos da atividade humana, de maneira que precisam ser constantemente desenvolvidos de acordo com as necessidades tecnológicas. Os vidros mais comuns pertencem às famílias de silicatos, borossilicatos, boratos e germanatos. No entanto, vidros de diferentes composições vêm se destacando cada vez mais, como por exemplo os vidros calcogenetos, foco da publicação de hoje. Esta classe de vidros apresenta em sua composição um ou mais ânions da família dos calcogênios (6A), como o enxofre, o telúrio ou o selênio, junto a um cátion mais eletropositivo, geralmente arsênio ou germânio. As composições mais comuns são mostradas na Tabela 1.  O oxigênio, apesar de localizar-se também na família 6A, não é considerado um formador de vidro calcogeneto.

Tabela 1: Composições e nomes comerciais de vidros calcogenetos comuns. Adaptado de HEWAK, BRADY & CURRY, 2010.

Tabela

Vidros calcogenetos têm se tornado interessantes industrialmente devido à capacidade que apresentam de se comunicarem tanto com fótons quanto com elétrons, isto é, podem ser aplicados tanto na fotônica quanto na eletrônica.

Quanto às interações com os fótons, os vidros calcogenetos podem sofrer alguns fenômenos que serão explicados resumidamente:

Fotocristalização: O efeito térmico gerado por irradiação óptica pode provocar cristalização de filmes de calcogenetos com baixa temperatura de transição vítrea. Para reverter este fenômeno, é necessário reaquecer o vidro até a fusão e resfriá-lo rapidamente.

Fotodissolução de metais: Se uma camada metálica estiver em contato com o vidro, esta pode ser dissolvida por ele através da aplicação de fótons de energia próxima à da energia de GAP do calcogeneto.

Fotopolimerização: A aplicação de fótons pode levar à combinação entre moléculas em alguns calcogenetos, criando espécies de polímeros no interior do material.  O caso mais estudado é do AsS3, que forma polímeros de As4S4. O efeito também pode ser conseguido com o aumento da temperatura do material.

Fotocompactação: Foi detectada em Ga-La-S iluminado por radiação ultravioleta. Este fenômeno envolve uma densificação do material acompanhada de alteração da composição química e índice de refração na região modificada.

Fotocontração: É semelhante à fotocompactação, no entanto é reversível por recozimento térmico e é observada em um número maior de calcogenetos.

Fotoescurecimento ou fotobranqueamento: Após a irradiação de fótons, pode ocorrer uma alteração estrutural no retículo do vidro que altera sua absorção óptica. Se esta absorção for aumentada, ocorre o fotoescurecimento, mostrado na Figura 1. Caso a absorção óptica seja diminuída, ocorre fotobranqueamento (mais conhecido pelo termo em  inglês photobleaching).

Fotoescurecimento

Figura 1: Fotoescurecimento em Ga-La-S  após a exposição a um laser de comprimento de onda de 532 nm. Fonte:  HEWAK, BRADY & CURRY, 2010.

Anisotropia fotoinduzida: Anisotropia é a variação de determinada propriedade de acordo com a direção em que é analisada no material. No caso dos vidros calcogenetos, pode ocorrer birrefringência após a aplicação de luz polarizada. Em outras palavras, estes materiais apresentarão dois índices de refração distintos, o que ocasionará a visualização de duas cores distintas (dicroísmo).

Quanto às características eletrônicas, os vidros calcogenetos podem ser considerados semicondutores (mais informações sobre semicondutividade podem ser encontradas aqui). Estes vidros apresentam energia de GAP de 1 a 3 eV que diminui à medida que percorre-se a família 6A no sentido de cima para baixo, isto é,  Egap S > Egap Se > Egap Te. Assim, nota-se um aumento do caráter metálico à medida que a tabela  é percorrida neste sentido. A semicondutividade nestes materiais é geralmente do tipo p, ou seja, há uma predominância de lacunas em relação ao número de elétrons.  Pequenas exceções são os vidros Bi-Ge-Se, Pb-Ge-Se e Pb-In-Se, que podem ser semicondutores do tipo n (predominância de elétrons). A Figura 2 mostra o posicionamento dos vidros calcogenetos em relação a outros semicondutores, comparando suas mobilidades eletrônicas. Quanto maior esta for, mais rápida será a resposta do material.

semicondutor

Figura 2: Caracterização de vidros calcogenetos como semicondutores, em relação a demais materiais desta classe. Fonte: MEHTA et al., ANO

Considerando tudo o que foi visto sobre os vidros calcogenetos e sabendo que estes são fáceis de produzir, pouco sensíveis a impurezas e baratos, podemos inferir que estes possuirão um leque muito amplo de aplicações. De fato, estes vidros podem ser utilizados nas áreas civil, militar, médica, aeroespacial e em produtos como interruptores elétricos, sistemas fotorresistentes e holográficos, sensores ópticos, instrumentos para medir ondas eletromagnéticas, lentes, grades ópticas, multiplexadores, filtros ópticos, cabeças de impressão, eletrólitos para baterias de estado sólido, dispositivos para detecção de poluentes, fibras ópticas especiais e muito mais. A aplicação mais promissora, no entanto, é a de lentes ópticas para transmissão de ondas de infravermelho, visto que os vidros calcogenetos são transparentes a este tipo de radiação.

Fontes:

Modernas aplicações de vidros – Oswaldo Alves;

HEWAK, Daniel W.; BRADY, D.; CURRY, R. J. Chalcogenide glasses for photonics device applications. GS Murugan, ed.(Research Signpost, Kerala, India, 2010) Chap, v. 2, 2010.

MEHTA, N. Applications of chalcogenide glasses in electronics and optoelectronics: A review. Journal of Scientific and Industrial Research, v. 65, n. 10, p. 777, 2006.

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